CONVERSANDO SOBRE ITAQUERA
Tenho hábito, um pouco brincalhão, de definir os
assuntos itaquerenses como provincianos. É mais uma brincadeira comigo mesmo,
que moro e trabalho em Itaquera, mas talvez já seja inadequado tratar como
província uma região, a que é definida administrativamente como “subprefeitura”
de Itaquera, que é habitada por mais de meio milhão de pessoas. Adequado ou
não, quero falar de minha província, que foi assunto também de conversas que
tive ontem e hoje com pessoas muito distintas. Na sexta, com um arquiteto. Neste sábado, com um amigo ambulante.
O TEMA DO PARQUE LINEAR RIO VERDE
Ontem, no final da tarde, conversei sobre Itaquera com o arquiteto Luiz Cutait. A conversa foi
uma sugestão de meu amigo, o Deputado Estadual Adriano Diogo. E o assunto
principal era o Parque Linear Rio Verde Jacu. Por esta razão, a conversa foi
realizada no próprio parque, projetado por este arquiteto (embora as
Administrações Serra/Kassab não tenham dado o devido crédito ao autor, o que,
por sua vez, deu origem à ação judicial).
Estacionei o carro no lugar de sempre, que uso quando
me dirijo às reuniões na Comunidade da Paz, localizada ao lado, e atravessei as
áreas dos brinquedos, quadras e marquise até o espaço onde o arquiteto me
mostrou o projeto que está exposto numa parte da área coberta.
Aquele mesmo projeto que debatemos, nos últimos anos,
com centenas de moradores assustados com os destinos de suas casas. Mas o
arquiteto não sabia disto, até aquele momento.
A LUTA PELO DIREITO À MORADIA
Descrevi então, o histórico de lutas que os moradores
estão travando para ter o conhecimento detalhado, não apenas do cronograma de
obras, os prazos, mas, principalmente, das alternativas habitacionais que
estariam sendo providenciadas pela Prefeitura de São Paulo, através de sua
Secretaria de Habitação. Falei sobre as tentativas frustradas de ter
informações da Subprefeitura de Itaquera e da Secretaria de Habitação, onde
sequer conseguimos ser recebidos na administração passada. Descrevi o processo
da unificação das comunidades ameaçadas de remoção, iniciado no Encontro das Comunidades
pelo Direito à Moradia, realizado em setembro de 2011, com quatrocentos
moradores das favelas da Paz, Miguel Inácio Cury, Francisco Munhoz, Três Cocos,
Lavios, Pedreira, Pacarana, Zorrilho, Caetitu, etc) onde obtivemos apoio do
Núcleo de Habitação e Urbanismo da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
Falei que somente com a mediação da Defensoria Pública, tivemos acesso, em
abril de 2012, ao projeto do Parque Linear, da Secretaria do Verde e Meio
Ambiente, com os respectivos cronograma, que confirmava a próxima remoção
destas moradias. Relatei também sobre o outro Encontro das Comunidades,
realizado também em abril de 2012, desta vez com o Ministério Público que
iniciou o acompanhamento do processo, intensificado após os casos de incêndios,
e morte, que a comunidade atribui ao fato da energia elétrica não ser
regularizada pela Eletropaulo.
OUTROS TEMAS IMPORTANTES NA REGIÃO E OS “SUJEITOS
COLETIVOS” QUE ATUAM NA ÁREA
Tratamos, ainda, de outros temas relacionados à
Itaquera, como a luta pela UNIFESP, a
urbanização da área central, a questão do abastecimento, do Parque
Industrial, da Operação Urbana Rio Verde Jacu e tudo o mais. Por fim, relatei
que todas estas discussões já estão sendo feitas por várias organizações, o
Fórum para o Desenvolvimento da Zona Leste, o Movimento Nossa Itaquera e o
coletivo “Comunidades Unidas da Zona Leste”, me comprometendo a passar a agenda
de reuniões destes coletivos, caso tivesse interesse em acompanhar. Informei
ainda que algumas outras organizações já estão colaborando, principalmente na
questão da defesa dos direitos dos moradores das comunidades, como a Peabiru
T.C.A e o Instituto Polis. E que muitos outros coletivos eram solidários aos
moradores, alunos de Universidades (USP, PUC e Unicastelo) e artistas de grupos
culturais locais (Dolores Boca Aberta, Grupo de Teatro Parlendas, Instituto
Pombas Urbanas, Arte Maloqueira, etc).
AS CRIANÇAS DA VILA DA PAZ
Não pudemos conversar mais, pois estávamos com pressa devido a outros
compromissos, mas ficou a disposição de trocar informações. Na saída, indo em
direção ao carro estacionado próximo à entrada da Comunidade da Paz, fui
reconhecido pelas crianças que acompanham suas mães nas várias reuniões
realizadas nos últimos anos. O
reconhecimento daquelas crianças contentou meu coração de professor. Elas estão
aproveitando bastante a área já construída do Parque mas seus olhos não
disfarçam a mesma inquietação dos pais quando o tema é o futuro daquelas casas.
Aquelas crianças também sabem sobre mais este risco que correm ( se não
bastassem todos os outros).
A CONVERSA COM O AMIGO AMBULANTE E O TEMA DA RELIGIÃO
Hoje, na hora do almoço, por encontro casual,
continuei a conversa sobre Itaquera. Desta vez com um antigo conhecido, que
trabalhava como vendedor ambulante, antes de sofrer a repressão da
subprefeitura comandada pelos coronéis. Este conhecido é um homem que demonstra
grande sabedoria. É uma pessoa politizada. Muito culto, mas muito simples. De simplicidade
franciscana. Andando de sandálias de couro pelo centro de Itaquera, parece um
religioso fransciscano. E falamos sobre religião. Ou melhor, sobre um
religioso. O amigo ambulante lembrou que o Padre Paulo Sérgio Beserra foi o
único que ficou ao lado dos ambulantes quando estes foram perseguidos pela
Administração do Kassab. Concordamos neste ponto. Os poderosos de ocasião,
coronéis e autoridades de vários títulos e patentes, passam por Itaquera, mas
tudo o que fazem, seus feitos e
desfeitos, não passam despercebidos. As coisas boas e más que realizam ficam na
memória do povo. Na memória das crianças,
as que portam sorriso ou olhar triste, e dos mais velhos que resistem
portando esperanças religiosas ou
laicas.
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