MEMÓRIAS DE SÃO PAULO NA RESSACA DA VIRADA
Já passados alguns dias desde a Virada
Cultural realizada neste ano, e após todo o alarde sobre aspectos negativos relacionados à violência verificada
em alguns dos inúmeros pontos em que o centro da São Paulo foi dividido, pude,
enfim, dedicar estas poucas linhas ao evento.
Sei das mortes, brigas, arrastões, tão bem explorados
pela grande imprensa, mas sei também, porque pude assistir, a alegria da maioria da população
que conseguiu usufruir daquelas horas. Claro que é lamentável a existência de
vítimas neste acontecimento, mas num evento com as proporções da Virada, a
população participante, a localização dos palcos, os horários e tudo o mais que
costuma caracterizar os encontros festivos (bebidas e o maior uso de outras drogas
lícitas e ilícitas) não dá para esperar que inexistam saldos desta natureza.
Mas muita coisa já foi escrita sobre este
aspecto da violência e dos riscos que envolvem estas experiências. Prefiro
desenvolver, aqui, uma abordagem diversa. Alguns registros que decorrem mais da
emoção de meu reencontro com vários cantos desta cidade. E como passaram
semanas desde estes dias, nem tudo conseguirei lembrar. Segue, portanto, apenas
o que sobreviveu no filtro desta gasta memória.
O PIANO NA PRAÇA DOM JOSÉ GASPAR
Vamos ao que consigo lembrar, desde que estacionei o carro na Avenida São
Luís, um dos pontos que mais aprecio do chamado centro novo, naquele espaço em
torno da Biblioteca Mario de Andrade e Praça Dom José Gaspar. Invejo o
privilégio dos moradores que, naquela região, podem apreciar as apresentações
do Projeto Piano na Praça. Neste sábado, dia 18 de maio, somente passei pela
Praça Dom José Gaspar. Não havia apresentações naquele horário. Apenas no dia
seguinte, cheguei a tempo de pegar uma parte da exibição de João Carlos de
Assis Brasil. No sábado, porém, queria ver as apresentações mais populares.
PAGODE E FORRÓ NO CENTRO DE SÃO PAULO
Dei uma passada rápida na Praça da
República, muito lotada, onde, acredito, estava se apresentando o grupo de samba
Raça Negra. De lá, atravessei a Barão de Itapetininga, o Viaduto do Chá e
encontrei, na Praça Patriarca, o grupo apreciador do Forró que assistia a
apresentação do Trio Juazeiro.
Talvez ali eu tenha sentido a primeira
fisgada das inúmeras que iria sentir nas outras passagens da Virada. Para um
filho de nordestino, o som do Forró no centro de São Paulo traz sentimentos
difíceis de descrever. Os que estavam na Praça Patriarca, muitos dançando,
demonstravam autêntica alegria. Também me sentia feliz, por estar naquele
espaço, mas o contentamento não envolvia qualquer reação física. Estava,
talvez, conectado, espiritualmente, com alguma ancestralidade, que me impôs uma
reverência quase religiosa àquele espaço no qual entrei e sai com grande
respeito.
O CHORINHO NO CORETO DA RUA ANTONIO PRADO
Desci a Rua São Bento e cheguei em outro
lugar que sempre me atraiu, desde a adolescência, o Coreto da Rua Antonio
Prado. Lá fiquei bastante tempo. Mesmo com o forte odor de urina no calçadão
defronte ao coreto e prédio da Bolsa de Valores, demorei naquele que foi um dos
espaços que mais me agradou nos dois dias. Era o espaço do samba e do Choro.
Não fosse minha curiosidade pelo que estaria acontecendo nos outros espaços, é
lá que eu ficaria. Nem sabia o nome de quem estava se apresentando, mas o
chorinho era cativante.
O RAP NO LARGO SÃO BENTO E O ROCK DA AV.
SÃO JOÃO
Do chorinho da Praça Antonio Prado, fui ao rap do Largo São Bento. Fiquei
impressionado, como sempre, com a força daquela expressão. Música negra.
A rapaziada de todas as periferias. Várias gerações.
Do rap do Largo São Bento, fui ao Rock da
Avenida São João, transformada numa pista de dança. E cheguei a tempo de
presenciar um arrastão no Largo do Arouche, que me fez decidir pela interrupção
do passeio ao qual retornei só no dia seguinte.
A VOLTA PELO CENTRO DE SÃO
PAULO
Meu domingo, na Virada, começou com o
Piano na Praça Dom José Gaspar. De lá, iria para a Praça Júlio Prestes, ver os
Racionais, mas desviei o caminho ao passar pelo Lardo do Paissandu. Fui
seguindo um som, que também era de rap, até a Rua Santa Efigênia. E cruzando o
Viaduto Santa Efigênia senti outra fisgada. Um aperto no coração. Passar por lá depois de tantos anos.
AS LEMBRANÇAS DO LARGO SÃO
BENTO E PRIMEIRO EMPREGO
Naqueles quarteirões tinha passado parte
de minha adolescência, percorrendo os bancos e cartórios em meu primeiro
emprego, como Office boy. Sempre me emociono ao passar pelo Largo São Bento.
Para fazer perdurar aquele momento entrei
no Mosteiro, como tantos outros personagens estranhos que destoavam do público
convencional daquela bela Igreja. Além de mim, outros transeuntes atípicos,
entraram e saíram da Igreja. Aquele espaço virara mais um espaço da cidade que
muitos de nós estávamos recuperando.
Muitos jovens estavam passando defronte
da igreja. Segui o fluxo do grupo que se dirigia à Rua 25 de Março pela Rua
Florêncio de Abreu. Mas nesta Rua, abandonei o grupo. Ao entrar na Rua
Florêncio de Abreu, não resisti á tentação de descer a via que estava
praticamente vazia até o prédio que consegui identificar como o do meu primeiro
emprego.
Entre inúmeras lojas de ferragens,
fechadas naquele domingo à tarde, estava lá o prédio de número 279. Parei em
frente ao prédio e fiquei por vários minutos retendo aquela imagem que fazia
parte do meu passado. Durante anos, subi e desci aquela rua de lojas de
ferragens, material para indústria, rolamentos, peças geralmente importadas.
A empresa em que trabalhei era de um
alemão, o Senhor Benno Shoeller. Um velhinho muito trabalhador e bem humorado
que gostava de repetir, em alemão, uma expressão que, traduzida, significava
“merda com arroz”.
O GOSTO PELA LEITURA E PELA POLÍTICA NA
ADOLESCÊNCIA
Graças àquela empresa, adquiri gosto pela
leitura de jornais. Entre um pagamento e outro de faturas e duplicatas, que fazia nos vários bancos do centro velho,
lia os jornais que a empresa assinava: o Diário do Comércio e o Jornal O Estado
de São Paulo, por exemplo. Desde último jornal li tanto os artigos de seus
cronistas mais anti-comunistas, Gustavo Corção e João de Escatimburgo, que
acabei atraído por esta doutrina tão atacada naquelas crônicas e reportagens do
“Estadão”. O prédio desta antiga
empresa, que nem sei se ainda existe, estava
conservado. Pintado com cor
salmão. Era uma bonita construção. A rua quase totalmente vazia só teve o
silêncio quebrado pelo barulho que soube, depois, decorria da comemoração pela
vitória do Corinthians, no Campeonato Paulista.
O PALCO DA RUA 25 DE MARÇO
QUE NUNCA ESTEVE TÃO BONITA
Os fogos da vitória corinthiana me
fizeram retornar ao fluxo de pessoas que continuavam descendo para a Rua 25 de
março. Nesta rua encontrei, assistindo ao delicioso show da cantora Céu, um
grande e simpático público. Um público basicamente estudantil e feminino.
Mulheres lindas cantavam junto com a Céu, acompanhando todas as músicas. A Rua
25 de Março nunca esteve tão bonita.
O CAFÉ GIRONDINO E O SAMBA NO CORETO DA
BOLSA
Com o fim do show da Céu, subi a Ladeira Porto Geral e matei a saudades do
Café Girondino, no Largo São Bento. Por razões ideológicas até preferiria
freqüentar algum café que tivesse o nome do Café Jacobino, mas, não tendo esta
alternativa, tomei um café com uma porção de arroz doce, já sem nenhuma
intenção de acompanhar qualquer atração. Aquilo que tinha visto bastava. Tinha
matado a saudade de minha cidade. Até poderia ter interrompido o passeio
naquele momento, mas ao passar no Coreto da Rua Antonio Prado, o samba dos
Inimigos do Batente me fez parar. Tendo passado pelo forró, rap, rock e muitos
estilos musicais que sequer sei denominar, aquele foi o que mais me cativou. De
todos os espaços, é para lá que quero voltar, e ficar mais tempo, na próxima Virada.
O CABARET DO EDIFÍCIO COPAN E O SAMBA
ENCERRANDO A VIRADA
No
retorno ao estacionamento, ainda passei pelo palco Caberet, na frente
do Edifício Copan, onde a Rita Cadillac encerrava sua apresentação. Após sua
exibição, uma divertida cantora com perfomance bem provocativa fez justiça ao
ambiente. Não consegui decorar seu nome, mas tentarei descobrir pois a artista
é mesmo interessante. Por fim, pude assistir o encerramento das apresentações
de outro espaço destinado ao samba, instalado ao lado da Câmara Municipal. E
neste espaço do samba, como frisado pelos seus organizadores, no final, reinou a
mais completa paz, com muita alegria. Este foi um lado da Virada Cultural deste
ano, não registrado pela imprensa, mas que merece também ser mais conhecido
pela população de São Paulo.
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